No fim de 2023, eu estava com 105kg. Havia deixado o esporte de lado há pelo menos dois anos. De vez em quando tentava voltar a correr, mas sem consistência. Joguei um pouco de tênis com amigos, como forma de me manter ativo, mas também não durou muito. O corpo não acompanhava. A disposição não vinha. Tudo parecia travado.

Logo, comecei a sentir dor na virilha, do lado esquerdo — primeiro nos treinos, depois ao caminhar. Em qualquer esforço físico, o incômodo me acompanhava. Procurei um ortopedista, que me pediu uma ressonância magnética.
Lembro perfeitamente do dia em que recebi o resultado do exame. Tinha tentado correr 10km em uma prova naquele dia. Consegui apenas 6 — caminhei os outros 4, com muita dor. Ao abrir o laudo da ressonância online, percebi que algo realmente não estava bem. E ali, totalmente frustrado, tomei uma decisão simples: vou fazer o que for preciso pra resolver isso.

Na consulta seguinte, veio o diagnóstico: pubalgia crônica. Uma lesão causada pela combinação entre excesso de peso, falta de condicionamento físico e o retorno repentino a atividades de impacto como corrida e tênis. O médico me encaminhou a um fisiatra, que recomendou 20 sessões de fisioterapia — e deixou no ar uma possibilidade que me abalou profundamente: talvez eu não pudesse mais correr.
Perguntei se o peso influenciava diretamente. Ele foi direto: sim. E perder peso poderia ser a chave para reverter o quadro.
Comecei as sessões de fisioterapia em março de 2024. Naquela época, meus pais estavam me visitando em Portugal pela primeira vez. Minha mãe, inclusive, me acompanhou em algumas sessões. Ainda não fazia dieta. A rotina em casa era cheia de jantares e passeios — momentos que hoje guardo com carinho, pois foram os últimos ao lado do meu pai, que faleceu no dia 1º de abril de 2025.
Foram cerca de 12 sessões. Já começava a sentir alguma melhora. Ainda fiz mais duas sessões após meus pais voltarem para o Brasil, e em uma delas, consegui correr 1km sem dor. Parecia pouco, mas foi gigante.

Por questões de agenda, não consegui manter as sessões seguintes com regularidade. Uma semana sem vaga, outra com a fisioterapeuta de férias. E então, para não adiar mais, tomei o controle da situação. Não esperei. Peguei os exercícios que vinha fazendo, me inscrevi na academia e comecei ali um novo capítulo.
Durante dois meses, fui todos os dias sem falhar. Foco total no fortalecimento muscular, especialmente das pernas. Corria 2km na esteira todos os dias, e seguia com treinos de força. O peso começou a cair, devagar. E com ele, veio de volta a confiança.

Foi quando decidi levar a sério também a alimentação. Instalei o app Lose It (app para contagem de calorias) e coloquei uma meta agressiva: 1100 kcal por dia. O resultado foi imediato. Em poucas semanas, passei a perder entre 1,5kg e 2kg por semana. A corrida evoluía junto com o corpo.

Com essa evolução, senti falta de estrutura. Precisava de direção. Então mandei mensagem ao Miguel Sanches, meu antigo coach de quando fiz meu primeiro triathlon no Brasil, e voltei aos treinos orientados por assessoria.
Em setembro de 2024, eu já pesava 78kg. Me inscrevi na Meia Maratona dos Descobrimentos, em Belém, Lisboa. Aquela prova passou a ser meu foco. A linha de chegada que simbolizaria não só o fim de uma jornada, mas o começo de uma nova fase na minha vida.

Treinei com disciplina. Fiz tudo o que estava no plano. E no dia da prova, completei os 21km em 1h37min. Meses antes, não conseguia correr 10km sem caminhar. Naquela manhã em Belém, provei pra mim mesmo que era possível virar o jogo.

Hoje, em 2025, sigo treinando. Não sinto mais dores no quadril. Estou inscrito no Ironman 70.3 de Cascais, que ocorrerá em outubro — e comecei meus treinos de triathlon com uma bike emprestada pelo meu amigo Chico, que também foi quem me motivou a contar calorias. A ajuda dele foi essencial para esse novo passo.


Também encontrei motivação nos amigos que voltaram a correr comigo — especialmente o Mario, Nádia, Iza e Fábio, com quem iniciei o grupo 11g, além de todos os outros que agora fazem parte dessa jornada. Ter pessoas ao lado com objetivos parecidos, compartilhando treinos, mensagens e pequenas conquistas fez toda diferença. Correr voltou a ser algo coletivo.


E nada disso teria sido possível sem o apoio constante da minha esposa. Esteve ao meu lado em todos os momentos — dos dias mais difíceis aos treinos mais longos — incentivando, ajustando a rotina e celebrando cada pequena vitória comigo.

Se voltei a me dedicar ao esporte, foi também porque tive em casa alguém que sempre acreditou no meu processo e me ajudou a não desistir.
Treinar nunca foi tão importante na minha vida quanto agora. Depois que perdi meu pai, correr se tornou meu remédio. É quando estou sozinho, girando por aí, que consigo conversar com ele. Lá atrás, no meu primeiro triathlon, ele estava comigo fisicamente. Hoje, sinto que vai estar presente em cada prova e treino daqui pra frente. Em cada linha de chegada, eu carrego comigo a certeza de que ele continua ao meu lado.
Essa história não é sobre tempo ou performance. É sobre saúde. Sobre luto. Sobre recomeços. E sobre não aceitar que um problema defina quem a gente é. A corrida voltou pra minha vida. Mas, acima de tudo, eu voltei pra mim mesmo.

Deixo este texto como um agradecimento especial ao meu pai — por toda a estrutura, suporte e conselhos em tudo o que fiz na vida. Sempre foi uma referência, um porto seguro, um lugar para onde eu sempre podia voltar.
Obrigado pelo exemplo, pela paciência e pelo amor. Sou profundamente grato e privilegiado pelo tempo que tive ao teu lado.
Tudo o que me ensinou carrego comigo hoje, e são esses valores que me dão força todos os dias para buscar ser a minha melhor versão.
